O que dói na verdade é a forma
como ela se entranha na carne. Ela percorre as veias e vai largando em doses
abruptas o seu veneno, contaminando um corpo, outrora dito saudável. Num segundo
não existe, no outro impera. Num segundo é plebeia, noutro é rainha. Mas o que
dói mesmo na verdade é ela não ser mentira. É ela não ser generosa, piedosa,
sensível e nos invadir sem escrúpulos. A verdade é crua, abrupta e irrevogável.
Chega e apodera-se, sem licenças.
O doloroso não é dormir abraçada
a falácias, a contradições, a invenções criadas pelo cérebro. Não. O que dói é
precisarmos delas como se de morfina se tratasse. O que dói é sentir que
preferimos a negar o incontestável e permanecer estáticos nos fios do tempo só
para proteger uma mentira. O que dói é acreditar, para que, depois, tudo se
transforme em pó, sem direito a renascer das cinzas. Porque a verdade é uma
sentença.
Custa ver pela primeira vez.
Olhar. Incidir. Perscrutar. Sermos invadidos pelo fel da desilusão e
conservarmos o seu travo na boca por tempo indeterminado. E nesse funeral da
mentira, de nada servem vocábulos frouxos, tão vulneráveis e culpados como essa
matéria em decomposição. Não há nada mais a fazer. É o não significar mais
nada. O vazio. O vácuo emocional.
A verdade obriga a desenlaçar,
desterrar pedaços que perderam significado. Obriga-nos a remodelar o mundo, a
criar novos ângulos de visão e cimentar alicerces. Obriga-nos a desembargar a
asfixia e deixar o ar retomar o seu curso até aos pulmões. A mentira embala-nos
o sono leve ao ritmo suave e inaudível das suas canções, mas o despertar é
muito mais violento e abrupto. É ceifar um novo mundo. É desalinhar o presente,
desnortear o futuro.
Sabes? O que dói na mentira é que
ela foi uma criação minha e não tua, porque ela saiu de dentro de mim e me envolveu
num abraço profundo. Aprisionou os meus sentidos e fez-me ver tudo como eu queria
que fosse. E eu dependia dela. Eu gostava dela. Eu era feliz com ela. Vivia
inebriada pela sua doçura, pelo seu encanto, pelos seus contornos. Mas o meu
cruzamento com a verdade desmoronou todas essas construções irrealistas e
transportou-me para a realidade.
A verdade é independente,
factual. Ela existe e pronto. Não tens desvios, é uma linha recta. Não se
deleita nas cores, é preta e branca. É concreta, palpável, consistente,
inabalável, indestrutível. Não precisa de predicados, só precisa de si própria.
Para quê ser mais do que já é?
A verdade é fascinante. Acho que
devias cruzar-te com ela um dia.