domingo, 29 de maio de 2011

Tempo

Manejo por entre dedos cuidadosos a preciosidade do tempo. A velha ampulheta repousa nas minhas mãos.
Faço com que os pequenos fios de areia deslizem por entre as paredes finas de vidro. No início, parece que as areias se demoram no estreitamento e que, quando começam a escassear, correm velozes perseguindo as leis da física. Mas o tempo é sempre o mesmo. Não passa de uma ilusão.
As areias, tal como o tempo, teimam em fugir. São um tempo que corre sem olhar para trás. São cavalos que galopam velozes até ao horizonte.

Sinto-me dona de um tempo que é meu, detentora de um poder que não me pertence, mas que me foi confiado. Uma verdadeira omnipotente.
E eis que sou transportada para uma teia de aranha que me emaranha, que me prende, que me suga. Parece que já não me pertenço, que não sou dona de mim mesma. Sou presa fácil de um tempo qualquer. Viajo na esfera dos seus fragmentos.
Sou tempo que quer ser para sempre tempo.
No meio dos seus cruzamentos, julgo que já não sou dona de mim mesma. Sou antes presa fácil de um tempo, de um pretérito. Percorro ruas escuras de um recôndito passado. Sobrevoo memórias esbatidas. De repente estou cega de tempos que me passam pelos olhos, que se colam a mim em distâncias temporais que não sei precisar.
Neste encontro de tempos, sou um filme inacabado, uma folha em branco, palavras por inventar. Sou destino não destinado. Consolido em mim o tudo e o nada. Sou espaço, sou lago, sou mar. Sou sopro, sou brisa, sou ar. Sou substância imaterial. Sou a estranha que vive em mim e alma de mim mesma. Sou cárcere e sou liberdade. Deixo de saber o que fui e o que serei. Sou um enredado de pretéritos. Sou verbos. Sou frases inacabadas. Sou pontuação inexpressiva. Sou quadrado de tempo que se desprendeu e fugiu às leis universais.  Sou equação impossível. Sou variável incógnita.

Sou…

Sou…

Sou. Apenas.

Existo.

E nessa nova condição, sou impulsionada num movimento brusco a abrir os olhos e ver a ampulheta deslizar pelas minhas mãos e cair a meus pés. As areias, outrora aprisionadas, libertam-se e espalham-se pelo chão.

Instala-se um silêncio profundo e mudo.

O tempo foi-se.
Suprimiu-se quando lhe toquei.
Evaporou-se.
Porque o tempo é dono de si mesmo.



2011/05/29

Sonho


O sonho é um mundo à parte. Nele só se aventuram os de espírito livre, os corajosos, os ambiciosos e perseverantes. O sonho é o transporte para a realidade. É a capacidade inata de transformarmos a nossa realidade naquilo que queremos.
Para os conquistarmos basta-nos desejarmos, acreditarmos e lutarmos por eles. Temos de lhes provar que realmente ansiamos por eles, que com eles nos vamos sentir mais completos, mais felizes, mais íntegros.
O sonho é muito pessoal. É intransmissível e incompreensível aos outros. Quem sonha, sonha a partir do mais profundo de si. O sonho é o eco da alma que reclama atenção, satisfação. É um pedido silencioso, macio, sincero, que impera num segundo... e noutro... e noutro... e, que de repente, não se cala. Recusa-se. Exige atenção, pede-nos, implora-nos, fere-nos com o insistente e incoerente desejo de concretização. E é aí que não podemos fugir mais... Só existem duas soluções: ou lhes damos ouvidos e vamos à luta, ou então, tentamos calá-los, sedá-los, abandoná-los nas profundezas do pensamento.
Quem sonha não tem nada a perder. Ao arriscarmos vamos percorrer um caminho em que só os fortes se aventuram, porque só eles se conseguem erguer perante uma adversidade e continuar a sua escalada de cabeça erguida, sem nunca esquecer o seu objectivo.
Ao lutarmos pelos nossos sonhos, vamos descobrindo a nossa verdadeira essência. Vamos descobrir se somos do nosso tamanho ou do tamanho dos nossos sonhos. Vamos sentir que o mundo é tão pequeno, tão pequeno, que qualquer sonho nosso pode ser encontrado na próxima esquina do pensamento.
E nada, mas mesmo nada neste largo oceano de estrelas se compara à emoção, alegria, êxtase, da concretização de um sonho. Porque um sonho pode iluminar uma alma sombria, encontrar uma alma perdida e desvendar uma alma escondida.

2008-01-02

Poema Leve

Divago…

Divago
Na esfera dos meus pensamentos.

Divago…

Divago
Até encontrar abandonado
O sonho outrora semeado.

Mergulho,
Agarro-o,
Liberto-o.
Pego-lhe pelas asas
Que o farão voar.

Um sonho que respira lentamente,
Que ganha cor levemente,
Mas que voará firmemente.

Procuro-o.
Encontro-o.
Sinto-o.
Vivo-o intensamente,
Até se tornar real.

2010

Éter

Éter era o Deus grego dos céus sem limites, a personificação do «céu superior», «aquele que faz brilhar», mas também aquele que «escurece».
Era filho da noite (Nix) e das trevas (Érebo) e irmão do dia (Hemera).

Porque todos nós somos luz e sombra de nós mesmos. Porque todos nós personificamos a noite e o dia. Porque todos nós somos éter e etéreos.