sexta-feira, 17 de junho de 2011

Noite

Estou no velho baloiço que sempre me serviu de refúgio para bambolear os meus pensamentos. Vejo a noite dançar no meu campo de visão. Não sei que horas são. Estou livre de qualquer referência temporal. Apenas estou neste momento, neste eterno momento.
Sinto uma leve brisa tocar-me o rosto, como uma presença invisível. Lá em cima, o céu pinta-se do mais escuro dos azuis e faz-se acompanhar de uma lua cheia que dá um toque de magia a esta imensidão, onde se pintam, com menos destaque, pequenas estrelas que embelezam a mais perfeita das noites.
Cá em baixo, mergulho nessa infinidade, nesse paraíso tão terreno, nesse espaço tão profundo como a nossa mente, onde acolhemos todos os laços de uma vida.
E vou pensando…
Ao pensar, parece que as ideias se encadeiam formando um longo carrossel, que anda às voltas no palco da mente, numa espiral interminável de imagens.
Penso…
Penso…
E continuo a pensar…
Deixo-me ir. Deixo-me levar por essa onda.
Não procuro nada, apenas quero libertar pensamentos, deixá-los fluir. Deixá-los existir. Deixá-los sair como se há muito estivessem enclausurados. E eles fluem como correntes, que se encadeiam em elos invisíveis, em fios condutores, sem a censura do ‘certo’ e do ‘errado’. Eles são. Ponto.
No entanto, eles vão sempre aportar ao mesmo mar…

Enfrento turvos fragmentos de memória. Pedaços recortados e exilados numa esquina do inconsciente, como um tesouro que naufraga.
Procuro as fotografias que os meus olhos captaram e revelo-as na minha mente, num processo exaustivo na busca de ti.
Uma vez…
Outra vez…
Mais uma vez…
Sempre.
Pensar em ti é pôr o sistema sanguíneo em ebulição, percorrendo as minhas veias até encontrarem o órgão que te pertence, e, que aos poucos, me abandona de saudade.
É sentir que o meu próprio corpo não me pertence e obedece apenas às tuas leis. À tua presença. À tua ausência.
Dedilho as palavras mudas, desprovidas de significado, ocas.
Vejo os momentos em que te procuro nas notas soltas, quando harpejo uma música imaginária, inacabada, sem ritmo nem compasso. As mãos dançam no piano, mas não encontram mestre que as ensine a melodia que deixaste em mim.
E percorro os fios da tua existência, que a minha memória se encarrega de esbater. Eu tento colorir as imagens que imprimiste em mim, mas, tal como a distância, o meu tinteiro vai perdendo tinta e, aos poucos, rouba-me os meus próprios momentos.
Mergulho no teu mundo para me esquecer do outro mundo em que apoio os pés. Sinto-me imbuída a rodopiar no teu centro gravitacional e ouvir o teu coração bater. Apenas.
Fico em silêncio até encontrar a frequência do teu timbre ao meu ouvido. Por vezes, consigo sentir a brisa da tua voz tocar-me a pele. E eu ardo. Queimo-me ao abrir os olhos e ver que não estás, que este espaço permanece vazio e alheio. Que continuo abrigada pelo mesmo céu e sentada no mesmo baloiço.
Vejo-te muito aquém da tua perfeição, num desenho que foi perdendo traços. Vejo-te vaguear num lugar só teu, olhando o mundo através do mais puro dos castanhos.  
E relembro aquele pensamento que me fugiu e que se materializou. Aquele impulso que me levou a ver-te surgir e me fazer ficar congelada numa realidade que sonhei vezes sem conta. Apesar disso, senti-me incapaz de fazer alguma coisa, como se o meu corpo e mente bloqueassem quando estão ao pé de ti. Fiquei aprisionada num silêncio sepulcral, que me envolveu nos seus ténues braços e me foi asfixiando.

 E é aí permaneço até que o meu balançar se desvaneça…
Até me fundir com uma noite que está prestes a conhecer o amanhecer…
Até que as minhas memórias se tornem reais…

1 comentário:

  1. Aprecio os teus textos assim como todos aqueles que se dirigem a mim a comentá-los e a elogiá-los...o que não entendo é isso...porque me dizem a mim e não te comentam a ti e aqui o que pensam?

    Cada vez "mais" entendo "menos" o ser humano!!!!

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