sexta-feira, 8 de julho de 2011

Cidade

E num segundo tudo se transforma em caos. Em pedaços que já não encaixam, que já não fazem sentido, que não se pertencem.
Asfixiada com tudo o que está a acontecer, saio para a rua, decidida a procurar um sentido.
Não quero olhar para trás. Por enquanto.
Desço as escadas, avançando em vários lanços os degraus. Bato sonoramente a porta deparando-me com a cidade, com a normalidade. Engraçado como tudo continua na sua imperfeita harmonia, enquanto a desordem surge para desequilibrar o meu epicentro.
E com a certeza de que não tem nada a perder, lanço-me por entre a multidão que inunda as ruas. Caminho por entre eles, sendo, por várias vezes, atingida pelos seus encontrões, mas avanço ao meu ritmo, esforçando-me por encontrar-me no meio deles. Literalmente.
Perscrutando os rostos, procuro o que fez aqueles que por mim passam serem o que são. Qual o seu passado? O que estão a viver?
Fujo dos estereótipos e tento indagar origens.
Pelo caminho sou acompanhada de fios de conversas, vozes fundidas, gestos imperceptíveis. Guerra. Paz. Amor. Ódio. Tudo condensado num único lugar.
A cidade é grande. É um mundo, onde as luzes não são guia, mas sim mostradores passivos da ostentação de um sociedade que se foca nos valores imediatos, na ascensão prodigiosa mas mal sustentada. São paredes ocas de betão erguidas numa perfeição arquitectónica, impondo-se, insurgindo-se perante a pequenez humana.
A cidade é um palco onde os actores principais se mostram ausentes de marcas temporais, emergindo rapidamente pelas ruas com passos velozes, num vão sopro de esperança de vitória contra o tempo.
São muitos aqueles que vejo a correr para um futuro que se aproxima a cada esquina, com a pressa de chegar a nenhum lado e com o rosto colado ao chão. São sombras de vida. São marionetas vivas. São almas sem alma. São comandos remotos.
São aqueles que deixam a ignição avançar por eles, a vida encontrá-los, mas que se perdem porque nunca tiveram rumo.
Ao fundo, começo a ouvir uma música, e por momentos, foco-me apenas nesse som, como se fosse crucial para a minha sobrevivência. E é esse pequeno som que me faz apagar a cidade, eliminando os sons dos carros, autocarros e pessoas. É um som que reconforta, como se atingisse um qualquer espaço de mim de uma forma certeira.
A noite que entretanto manchou o céu instalou uma lua que brilha magnanimamente por entre nuvens espessas.  
Começa a chover e os transeuntes começam a ser amparados pelos guarda-chuvas que pintam a cidade de cor. Eu permaneço imóvel, indiferente à nova condição meteorológica. Prefiro sentir na pele as gotas geladas, que caem como lanças afiadas. Um sismo de sentimentos que aflora.
E eis que um pequeno gesto me devolve a mim mesma.
E eu sinto-me.
Encontro-me.
O meu caos interior deixa de ter significado.
Volto a ser tudo o que fui.
Volto a sentir tudo o que sentia.
E eis que sinto uma mão tocar-me o ombro.
A tua mão.



2011/07/08

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